ia em campanhas eleitorais

O papel dos reguladores e legisladores na definição de limites para o uso de ia em campanhas eleitorais

O avanço da inteligência artificial (IA) tem transformado diversos setores, incluindo o cenário político. Nas campanhas eleitorais, a IA tem sido utilizada para segmentação de eleitores, criação de conteúdo personalizado e até mesmo para a disseminação de informações. No entanto, o uso crescente dessa tecnologia levanta questões éticas e legais, especialmente em relação à integridade do processo democrático. Nesse contexto, reguladores e legisladores desempenham um papel fundamental na definição de limites para o uso de IA em campanhas eleitorais, visando proteger a democracia e garantir a transparência e a equidade nas eleições.

Escrito por Júlia Medeiros

Uso da IA para campanhas eleitorais

É nítido que a IA oferece diversas vantagens para as campanhas eleitorais. Ferramentas de análise de dados permitem aos candidatos e partidos políticos identificarem e segmentar eleitores com base em perfis comportamentais e demográficos. Além disso, a criação de conteúdo personalizado, utilizando algoritmos de IA, pode aumentar a eficácia das campanhas, direcionando mensagens específicas para diferentes grupos de eleitores.

No entanto, essas mesmas capacidades apresentam riscos significativos. A segmentação excessiva pode levar à manipulação dos eleitores, enquanto a criação de conteúdo automatizado pode ser usada para disseminar desinformação ou informações enganosas. Isso cria um ambiente onde a confiança pública no processo eleitoral pode ser minada, especialmente se os eleitores não estiverem cientes de como seus dados estão sendo usados e manipulados.

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Desafios para reguladores e legisladores

Os desafios para os reguladores são muitos. Em primeiro lugar, a natureza rápida e dinâmica da tecnologia significa que a legislação muitas vezes se torna obsoleta rapidamente. Além disso, a globalização da tecnologia dificulta a aplicação de regulamentações nacionais em um ambiente digital que opera além das fronteiras. Isso requer um esforço coordenado entre nações para estabelecer padrões regulatórios globais.

Definição de práticas aceitáveis

Outro desafio é a definição clara de quais práticas são aceitáveis ou inaceitáveis no uso de IA em campanhas eleitorais. Por exemplo, enquanto a personalização de mensagens pode ser vista como uma prática legítima, a criação de deepfakes ou a manipulação de informações com o objetivo de enganar eleitores claramente não é. Reguladores precisam estabelecer diretrizes claras que diferenciem práticas éticas de práticas fraudulentas.

Responsabilidade dos legisladores

Os legisladores têm a responsabilidade de criar leis que estabeleçam os limites para o uso de IA em campanhas eleitorais. Isso pode incluir a obrigatoriedade de transparência no uso de IA, exigindo que campanhas divulguem quando estão utilizando essas tecnologias e de que maneira. Além disso, leis de proteção de dados devem ser fortalecidas para garantir que as informações dos eleitores não sejam utilizadas de maneira indevida.

Sanções e responsabilização

Outro aspecto importante é a responsabilização. As leis devem prever sanções rigorosas para o uso indevido de IA em campanhas eleitorais, especialmente em casos de manipulação e desinformação. Isso inclui tanto a responsabilidade dos candidatos quanto das plataformas que hospedam e disseminam o conteúdo gerado por IA.

O cenário brasileiro

Diversos países já começaram a se movimentar nessa direção. No Brasil, inclusive, a legislação eleitoral de 2024, regulamentada pela Resolução nº 23.610/2019 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), trouxe novas regras específicas sobre o uso de IA em campanhas eleitorais, com o objetivo exatamente de proteger a integridade do processo eleitoral.

A Resolução nº 23.610/2019 estabelece diretrizes claras sobre o uso de IA, incluindo a exigência de transparência por parte tanto dos candidatos quanto dos partidos políticos. A resolução proíbe o uso de IA para a criação e disseminação de informações falsas, reforçando a responsabilidade das pessoas organizadoras, das criadoras do conteúdo, das distribuidoras e das participantes, na proporção de suas condutas, pelos ilícitos eleitorais e penais.

Proibição de deepfakes e uso de chatbots

Destaque para a norma que proíbe de forma absoluta o uso de deepfake, conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente para criar, para substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia, com intuito de prejudicar ou para favorecer candidatura.

O TSE determinou também a exigência de comunicação e  rótulos de identificação de conteúdo sintético multimídia (para criar, substituir, omitir, mesclar ou alterar a velocidade ou sobrepor imagens ou sons). Partidos ou candidatos que produzirem material de campanha usando IA deverão alertar o eleitor que o conteúdo foi criado a partir de uma ferramenta de IA, de maneira explícita, destacada e acessível, que o conteúdo foi fabricado ou manipulado e que tecnologia foi utilizada.  Além disso, está restrito o uso de chatbots (robôs) e avatares para intermediar a comunicação da campanha, que não poderá simular uma conversa com o candidato ou qualquer outra pessoa real.

Conclusão: perspectivas futuras

Com a introdução das novas regras pela Resolução nº 23.610/2019, o Brasil dá um passo significativo para regular o uso de IA em campanhas eleitorais. No entanto, a eficácia dessas regras dependerá da capacidade dos reguladores em aplicá-las rigorosamente e da disposição dos legisladores em adaptá-las conforme necessário.

O uso de IA nas campanhas eleitorais é uma realidade que veio para ficar, e os desafios associados exigem uma abordagem proativa e coordenada. Reguladores e legisladores têm a responsabilidade de proteger a integridade do processo eleitoral, garantindo que a democracia seja preservada em face das inovações tecnológicas.

Advogada, especialista em Direito Digital e em Proteção de Dados. LLM em Direito Empresarial. Pós-graduada em Compliance, Risco e Governança e em Direito Digital. Membro da Comissão de Direito das Startups da OAB/PE e de Proteção de Dados da OAB/PE. Membro da ANADD (Associação Nacional de Advogados do Direito Digital) – Comitê de Relações Trabalhistas no Digital. Possui Certificações de PDPE Essentials EXIN (Especialização em LGPD), DPO, ISO 27001 e ISO 27701.